CHAMADOS A MISERICORDIA

CHAMADOS À MISERICÓRDIA

A VOCAÇÃO DOS CRISTÃOS

jesus-misericordioso-en-fino-lienzo-importado-942001-MCO20259913080_032015-F

Deus é misericórdia e nos convida para viver e praticar a misericórdia. Este é um chamado divino, um chamado de amor. A misericórdia de Deus tem sido um tema muito significativo na espiritualidade cristã. Por esta razão, a imagem do coração misericordioso de Jesus tem sido muito exaltada e divulgada em novenas, terços e pregações. No entanto, nestes últimos anos, esta misericórdia ganhou novos contornos. Da bonita imagem de Cristo, com dois fachos de luzes saindo de suas mãos, passamos para ações concretas para a nossa ação eclesial.

Em primeiro lugar, passou-se a destacar a imagem de Cristo que tem compaixão dos pobres e que se encurva diante deles para socorrê-los, afagar suas dores e acalentar seus sofrimentos. A Igreja que se aproxima dos seus filhos adolorados para trazer-lhes o bálsamo da paz e da bondade. A Igreja torna-se a manifestação concreta da ternura divina.

Em segundo lugar, a pastoral da Igreja tornou-se mais afetuosa e menos julgadora de seus filhos em situações irregulares, sobretudo em questões sacramentais. Mais que apontar feridas e lacunas, a Igreja nos ensina a olhar com compaixão nossos fiéis e perceber suas qualidades e seus dons, que julgá-los por suas limitações e erros do passado.


CONVITE DIVINO PARA O POVO

Partindo de uma frase bíblica, “sede misericordiosos como o Pai”, o Papa Francisco nos convida para iniciar um novo ano Santo. Trata-se de um acontecimento inédito na história da Igreja, quando um Papa nos convida para viver um ano santo a partir de um  projeto de espiritualidade, para renovar nossas posturas espirituais diante dos irmãos. A misericórdia é a força misericordiosa de Deus e tem sua primeira expressão na direção vertical. Falamos assim de uma atitude de Deus para conosco. Ele se revela generoso em nos perdoar e ter coração generoso para nós, que somos “miseráveis” e pecadores. Ele não nos pune conforme nossos pecados, mas nos abraça conforme sua bondade. Sua bondade é a força que nos renova as esperanças de sermos felizes e sermos sempre acolhidos em seu templo sagrado. Deus é pura generosidade para com seus filhos.

A segunda dimensão deste convite é que sejamos igualmente generosos com nossos irmãos e não coloquemos seus pecados diante de nossos olhos, pois não é assim que Deus nos trata; antes, ele nos trata com atenção e carinho.  Esta é a dimensão horizontal deste projeto espiritual; considerar em nossos irmãos sua grandeza de coração e não seus pecados diante dos preceitos da comunidade cristã.

Em terceiro lugar, a igreja pede a generosidade para o serviço na comunidade, para servir os mais pobres, para evangelizar os povos e para acolher os abandonados. Esta é a atitude primordial de todos fiéis. Abre-se aqui o convite para jovens que queiram dedicar suas vidas na vocação religiosa e sacerdotal, dedicando-lhes  seus dons mais preciosos. Este é um convite vocacional.


O PROJETO DO PAPA FRANCISCO


papa



Por certo, o Papa sentiu o apelo de viver e promover uma Igreja mais voltada para a misericórdia. O lema escolhido,  nasce do coração de Jesus. Devemos ser misericordiosos como o Pai celestial. No dia da misericórdia divina revelada a Maria, como mãe de Deus, quer dizer, no dia da Imaculada Conceição. É a misericórdia que vence o pecado e nos convida para viver a graça divina.  Na solenidade da Imaculada,  inicia-se a realização deste grande projeto para toda Igreja. Teremos um ano inteiro para renovar nossos olhares e nossos sentimentos em relação aos irmãos, motivado pelo olhar de Deus para todos nós. Trata-se de um Ano Santo extraordinário, pois os “anos santos” ocorrem sempre de 25 a 25 anos, chamados anos jubilares. Sua convocação ocorreu durante a celebração da Penitência, na Basílica de São Pedro.

As palavras do Papa são muito tocantes e nos dá o sentido da misericórdia, como expressão do coração de Jesus Cristo. Suas palavras são muito significativas e nos abrem para este mistério.

 “Pensei muitas vezes no modo como a Igreja pode tornar mais evidente a sua missão de ser testemunha da misericórdia. É um caminho que começa com uma conversão espiritual; e devemos fazer este caminho. Por isso decidi proclamar um Jubileu Extraordinário que tenha no seu centro a misericórdia de Deus. Será um Ano Santo da Misericórdia”. Não podemos esquecer que a misericórdia é um caminho a ser percorrido e deve ser feito por todos os fiéis. Todos devemos praticar atos de bondade e todos dependemos da bondade de Deus e dos irmãos para sermos felizes. Sem misericórdia, não sobrevive a comunidade; ela se autodestrói.

Somos convidados a celebrar o Sacramento da Penitência, para nos reconciliarmos com Deus e com nossos irmãos.  Ao mesmo tempo, este Ano Santo notifica-nos mais uma vez o jubileu de ouro do Concílio Vaticano II. São 50 anos de renovação eclesial, que precisam mais que nunca serem abrilhantados e assumidos com seriedade. Se a Igreja é “sempre reformanda”, quer dizer, está sempre se renovando e se rejuvenescendo, é porque ela se alimenta do Espírito Divino que a conduz na história, para sempre atender aos apelos dos povos, as novas exigências dos tempos. Renovar é a melhor forma de permanecer fiel. Fossilizar-se é perder sua capacidade de viver os princípios fundamentais do cristianismo.

O Papa já havia acenado para o tempo da misericórdia. Assim, a Promoção da Nova Evangelização, que é a promotora deste grande acontecimento, deve ser a principal motivação para que o cristianismo seja o reflexo no mundo do amor sem fim que nasce do coração de Cristo e da sua Cruz; o qual se renova na Ceia Eucarística. A ação da misericórdia nasce sempre da alma divina; sempre é uma iniciativa divina, afinal é este o ponto de partida: Jesus ” “olhou-o com misericórdia e escolheu-o”. Ele continua nos olhando com misericórdia e nos escolhendo.


INSPIRAÇÃO  BÍBLICA DA MISERICÓRDIA

O Convite à misericórdia deve inspirar os cristãos e tem sua inspiração bíblica na passagem do encontro de Jesus com a pecadora que lava seus pés.

O Papa Francisco acena para esta passagem pois acredita que esta é sua inspiração bíblica. Na celebração Penitencial, onde proclamou este jubileu extraordinário, o Papa recordou o episódio da mulher pecadora que lava os pés de Jesus e os enxuga com seus cabelos. 

A atitude da mulher é carregada de ternura, uma vez que ainda beija seus pés e os unge com seus cabelos. A revelação do afeto da mulher enternece o coração do Senhor, que reconhece nessa sua atitude uma ação profundamente penitencial. O juízo de Simão, que foi o fariseu que convidou Jesus é uma atitude de julgamento. A mulher é pecadora, segundo ele, e não merece compaixão. Jesus mostra que a compaixão é maior que o juízo e a sentença que damos para os pecadores.

Aprendemos que a misericórdia divina não é excludente. Nós a devemos ter como horizonte para nós mesmos, pois mesmo quando pecamos, somos acolhidos por Deus, mas também como atitude para com nossos irmãos pecadores. Com a passagem da mulher pecadora e seu perfume como símbolo penitencial, o papa inaugura a lógica da misericórdia: perdão e acolhimento.

Para ilustrar e fundamentar biblicamente a espiritualidade da misericórdia, o Evangelista preferido é Lucas, conhecido mesmo como “evangelista da misericórdia”. As suas parábolas que revelam um Deus pleno de misericórdia são apontadas como iluminadoras das atitudes dos cristãos, como a busca da ovelha perdida, a procura da moeda perdida e, soberbamente, a belíssima Parábola do Filho Pródigo, que é antes de tudo reconhecida como a “parábola do pai misericordioso”.

Para convidar aos fiéis, sobretudo os ministros religiosos a serem mais misericordiosos com suas ovelhas, o Papa ensina que a misericórdia é a alma do mistério da Trindade Santa. Ele ensina no Documento  “Misericordiae Vultus” que “perante a gravidade do pecado, Deus responde com a plenitude do perdão. A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, e ninguém pode colocar um limite ao amor de Deus que perdoa” (MV. 2).

A misericórdia é um caminho que une Deus ao ser humano. Por este caminho, descobrimos o caminho da esperança de que seremos sempre amados por Deus e a admoestação que sempre amemos nossos irmãos, apesar de seus pecados e apesar de nossos pecados. O pecado não cessa o caminho do amor. Somos todos convidados a viver um tempo de graça divina em nossas vidas. Somos chamados a viver em Deus e praticar sua misericórdia. É uma convocação, mais que um convite; é a condição de sermos cristãos.

Seria bonito que cada vez que os irmãos (cristãos ou pagãos) se aproximassem de nós, sentissem o gosto maravilhoso de nossa ternura e de nossa bondade. Neste ano, somos vocacionados à misericórdia.

 E nasce aqui um apelo mais elevado: que sejamos vocacionados para a misericórdia com os pobres, os doentes, os famintos e os que sofrem… Este apelo tem sido uma tônica fundamental para os cristãos, que não devem se especializar em julgar e condenar aqueles que, por tantas razões, estão distantes de nossas normativas canônicas, mas antes acolhê-los e abraçá-los com devoção e fraternidade. A frase inspiradora do Santo Padre nasce do coração de São Vicente de Paulo: ” o segredo mais íntimo de Deus é a sua misericórdia”.

Se a misericórdia é o caminho que une Deus ao ser humano, como afirmamos, deve ser também a misericórdia a chave que abre nosso coração e se trona o caminho que nos une aos irmãos.


perdao-divino-1



IMG_5879



indulgencia

AÇÕES ESPIRITUAIS E GESTOS CONCRETOS 

Para viver a misericórdia, como resposta à vocação de Deus, por meio da Igreja, estaremos atentos a algumas atitudes concretas, que farão deste tempo um tempo privilegiado de santificação e crescimento na graça divina. São passos para a vivência prática da misericórdia, que nos levará mais perto do coração generoso de Jesus.

Em primeiro lugar, devemos anunciar a misericórdia de Deus, nas peregrinações, nas pregações e nas  atitudes pastorais. É preciso falar, para dar esperanças e é preciso praticar para confirmar e dar veracidade ao que anunciamos.

Devemos ir ao encontro, como sinal concreto de nossa espiritualidade, daqueles que vivem nas “periferias existenciais” do mundo e da sociedade. Ser misericordioso é ter compaixão dos pobres, dos enfermos e dos abandonados. É praticar as atitudes de Jesus que se exaltava contra os poderosos e se encurvava diante dos que sofriam.

Somam-se a estas atitudes, a oração, o jejum e a caridade, para fortalecer o espírito na solidariedade. Não pode ser este ano um tempo de folclore ou turismo religioso. Estes passos nos acendem a espiritualidade, mas quando vamos às portas santas, somos convidados a adentrá-las para levar nossas boas ações. Levamos para as portas santas os nossos gestos de misericórdia, nossas forças fundamentais para transformar o mundo. Levamos ainda nossa profecia e nossa opção pelos que sofrem. O maior perigo dos ministros religiosos é estarem acomodados ao lado dos que sofrem e lutar por eles, para que tenham a plenitude da vida e não a esmola que confirma sua condição social.

A superação da corrupção, a qual é uma chama entre nós, um grande mal de nossa sociedade deve ser nossa meta fundamental. Por certo que os protagonistas da corrupção são nossos governantes, mas suas chagas tomaram conta de nossa mentalidade relacional. O Papa nos coloca a misericórdia como caminho para vencer a corrupção. E depois participar da Eucaristia e ainda buscar unidade com os cristãos. Assim, a misericórdia se realiza no ecumenismo.   Agora sim, estamos prontos para receber indulgências; esta graça fundamental que somos presenteados na prática da misericórdia.

Devemos praticar a justiça e lutar por ela. Misericórdia não é esmola que damos aos pobres com o intuito de silenciar nossa consciência diante de tantas diferenças sociais, de tanto luxo e tantos descuidos com os pobres. Misericórdia é força para transformar o mundo, reconstituir o Reino de Deus, para que todos nos sintamos irmãos.  Sabemos que “a misericórdia de Deus, porém, é mais forte também do que isso. Ela torna-se indulgência do Pai que, através da Esposa de Cristo, alcança o pecador perdoado e liberta-o de qualquer resíduo das consequências do pecado, habilitando-o a agir com caridade, a crescer no amor em vez de recair no pecado” (MV, 14).

Afinal, a misericórdia é o outro nome de Deus, que encontramos no Profeta Isaías:  “O Senhor te guiará constantemente, saciará a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis » (58, 11). Pratiquemos a misericórdia, mas antes busquemos a misericórdia de Deus. Somente ela poderá transformar o mundo, tão violento e injusto, na casa de Deus, onde todos os seres humanos são irmãos.



 


 

Pe. Antônio S. Bogaz – Prof. João H. Hansen 

PBJH

Conhecendo mais…


INDULGÊNCIAS: ORIGEM E SIGNIFICADO
As indulgências surgiram na Igreja antiga quando havia uma grande rigidez entre os seguidores de Cristo.
O Batismo é uma consagração única e absoluta. Por esta razão, naqueles primeiros séculos da vida da Igreja, quando um fiel cometia um pecado, este fiel era expulso da comunidade.
Este fiel penitente acorria aos prisioneiros da fé, que sofriam as perseguições e estavam pagando por pecados não cometidos.
Os penitentes recebiam um indulto do mártir em prisão e o apresentava ao guia da comunidade (bispos) que os acolhia novamente entre os fiéis. Pelo mérito destes mártires, o penitente era absolvido de sua culpa e era reintegrado na comunidade
As indulgências se referem à remissão dos pecados quanto à sua culpa. Essa remissão é uma graça que pode prescindir da confissão sacramental.
A Igreja é instrumento desta graça, como comunidade de fiéis, mas toda satisfação espiritual se fundamenta na graça infinita de Jesus Cristo e na mediação de Maria, Mãe de Deus e dos santos.
A indulgência é um bem ofertado pela Igreja, que através de seus pastores (o Papa na Igreja universal e os bispos nas Igrejas particulares) concede aos fiéis estas maravilhas da graça divina.


Do livro: Creio na remissão dos pecados.Paulus: 2010
Rez
 
indulgencia 1


trombetas
ANO JUBLICAR: NO JUDAISMO E NO CRISTIANISMO
O ano sabático (Lv 25, 1-7; Ex 23, 10-11; Dt 21, 2-6) e o ano jubilar (Lv 25, 8-17. 23-55; Is 61, 1-2; Lc 4, 16-21) são outros momentos importantes do rito litúrgico judaico. Durante o ano sabático, que ocorria a cada 7 anos,  procurava-se dar descanso à terra de cultivo ou às pastagens e ao mesmo tempo a família dedicava-se mais fortemente ao Senhor.
Além disso, as colheitas deste ano pertenciam aos pobres, confirmando a ideia básica de que as terras pertencem a Deus e estão entregues aos filhos de Israel para seu cultivo e cuidados. Na multiplicação por sete destes anos sabáticos, celebrava-se um ano sabático muito especial, pelo qual restituíam-se as terras penhoradas, os escravos eram libertos e realizam-se grandes peregrinações a Jerusalém. É o ano jubilar.
Na História da Igreja, o ano jubilar teve seu início com o Papa Bonifácio VIII (ano 1300) e era a cada cem anos; mas com Clemente VI (1475) passou a ser celebrado a cada 50 anos. Assim, esta herança da tradição judaica levou os cristãos, ao longo dos séculos, a celebrar os jubileus, a cada 50 anos e mais tarde a cada 25 anos.
São rituais que expressam verdadeiramente a fé do povo, que realizam peregrinações e programas de santificação pessoal e comunitária. Igualmente, se estes rituais se reduzirem à simples exploração comercial e turística, bem como tradições vazias e alienantes, podem ser expressões de um terrível paganismo.
A vigilância para que os rituais sejam expressão verdadeira de uma vivência religiosa autêntica, é uma constante na vida do povo de Deus.


Do livro: Celebrar sem fé: é possível? Paulus: 2002