CRENÇAS E RELIGIOSIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 3ª parte

CRENÇAS E RELIGIOSIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 3ª parte

 

PSICOLOGIA E RELIGIÃO CONTEMPORÂNEA

A palavra “Religião” pode ser entendida etimologicamente através de duas raízes. Uma vem de “religare”, que remete a uma aliança com Deus, onde o clero da Igreja Medieval julgava ser a casta eleita para fazer a intermediação entre os homens comuns e Deus. A outra vem de “religere”, que significa uma observação cuidadosa de si mesmo ou também uma releitura. A atitude religiosa autêntica seria aquela que facilitaria o processo de individuação, que cria um indivíduo psicológico, uma unidade autônoma e indivisível, uma totalidade; é um processo contínuo cuja meta é o próprio desenvolvimento pleno da pessoa.

Este indivíduo vive em sociedade, então a relação entre aspectos pessoais e coletivos pode ser mediada pela religião, tendo a possibilidade de constituir uma relação subjetiva do homem com seu meio, especialmente a sociedade ocidental moderna.          

A religião exerceria uma importante função psíquica para o homem, no sentido de levá-lo a uma realização profunda, e teria como componente fundamental a experiência do numinoso, que em termos psíquicos seria uma fascinação do ego por uma manifestação arquetípica, algo extraordinário, como uma revelação. É, portanto uma experiência exclusivamente subjetiva e individual, ocorrendo através de uma prática religiosa, uma confissão numa comunidade de fieis.

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Imagens do filme “Pão divino, a vida de São Tarcísio” 

O homem moderno conserva traços de valores religiosos que o culto à matéria, a massificação e a dessacralização do mundo não conseguiu apagar. O racionalismo presente na sociedade ocidental moderna dificulta o processo de individuação citado. Então, uma importante característica da religião é o seu ponto de referência extramundano, oferecendo ao indivíduo um ponto de apoio em oposição ao mundo racional e materialista, designando a atitude particular de uma consciência transformada pela experiência do numinoso. Ai é imprescindível uma participação ativa diante deste fenômeno através de um diálogo com o mundo em suas condições psíquicas, históricas, sociais e políticas.

Podemos verificar que nos polos desta condição acima podem ocorrer, de um lado, um contato com vivências profundas e ao mesmo tempo sem sentido religioso autêntico onde, se não há um ego bem estruturado, a vivência deixará de ser mística e passará a ser uma vivência psicótica na qual o consciente pode se desagregar. No outro polo, a ausência da dimensão espiritual faz com que a existência humana seja determinada, neste momento histórico, pelo “sonho de consumo” para o preenchimento de um vazio existencial. Então, faz-se necessário o resgate da verdadeira dimensão espiritual através da vivência do sagrado, em conjunto com um equilíbrio entre a razão e a matéria, com a ampliação da consciência e o encontro de um sentido de ser no mundo. Isto, portanto torna-se um grande desafio da atualidade no nosso mundo contemporâneo.

Outras considerações: (com relação às pessoas que têm a espiritualidade como um dos valores mais importantes em suas vidas):

1 – Sentem e acreditam a divindade como fonte de energia para sua disposição interior, direcionando-a para suas ações e seu viver cotidiano. O desenvolvimento de suas vidas tem uma linha condutora ligada a Deus, determinando seus valores e suas potencialidades, proporcionando equilíbrio psíquico.

2 – O sofrimento físico e/ou psíquico sendo superado com o auxílio da religiosidade constituindo-se como uma forma de desenvolvimento psicológico e como fonte de fortalecimento da psique, onde a saúde nasce da força interior do indivíduo, tendo condições crescentes se superação de problemas.

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Missa em louvor a São Luís Orione – Festa Italiana – Paróquia Nossa Senhora da Saúde 
 

3 – No caso particular do cristianismo, Deus, através da vida e ensinamentos transmitidos por Cristo e seus seguidores, configura-se como um modelo de identificação, semelhante ao que representa um pai para um filho que está se desenvolvendo, norteando e dando base por meio de valores, mostrando atitudes concretas. Cristo, Maria e os santos da Igreja Católica também se colocam no papel de interlocutores, conselheiros, amigos, acolhedores de mágoas, desesperos e revoltas.

4 – Através do Sacramento da Penitência ou Reconciliação católico, no ato da confissão, torna-se possível o acolhimento dos aspectos e comportamentos considerados negativos ou reprovadores que são inerentes a todo ser humano, e de suas mágoas e ressentimentos. Para a confissão, quando ocorre o exame de consciência, proporciona-se autentica reflexão e posterior retomada de atitudes compatíveis a um viver mais equilibrado. O perdão divino provoca um “alívio psíquico”, assim como quando se é convidado a exercer o perdão humano nas suas relações.

O processo psicoterapêutico tem um “aspecto confessional”, semelhante à confissão católica, onde os aspectos sombrios da vivência humana encontram acolhida podendo ser trabalhados psicologicamente. A sombra humana precisa ser conhecida e elaborada no processo de individuação. 

Na dinâmica terapêutica junguiana, onde se considera a religiosidade como um movimento natural da psique, deve-se acolher e proporcionar uma boa continência para as manifestações espirituais do paciente, que podem ocorrer através do discurso verbal, em sonhos ou outros meios de expressão, como os artísticos por exemplo. Cabe ao terapeuta identificá-las, favorecer seu desenvolvimento e trabalhar sempre conservando uma posição neutra, jamais impondo seus valores éticos e sua crença religiosa ao paciente. 

 5 – A necessidade de filiação, proteção e harmonia, e o sentimento de pertencer a um grupo, são comuns aos seres humanos. A participação em uma comunidade religiosa cumpre em grande parte esta necessidade em função do engajamento nas atividades e trabalhos exercidos na igreja a que pertencem. Neste exercício de convivência e acolhimento ocorrem muitas vezes relações onde a fraternidade propicia uma verdadeira vivência interior dos sentimentos de filiação e proteção, contribuindo para o equilíbrio psíquico dos indivíduos e dos grupos de convivência. Mesmo os conflitos humanos naturais ai existentes, se bem elaborados, ajudam no crescimento e na maturidade das pessoas envolvidas.


 CIÊNCIA E RELIGIÃO

A história mostra uma relação complexa entre ciência e religião, onde a convivência entre ambas muitas vezes foi conflituosa. A religião foi acusada de atravancar o avanço científico recorrendo ao sobrenatural, como também, impondo regras e proibições às pesquisas científicas. Por sua vez, o método científico muitas vezes considerou os resultados científicos como verdades absolutas (CROATTO, 1994).

Os posicionamentos sobre os diferentes aspectos da vida podem variar de uma religião para outra. Mesmo dentro de uma determinada religião, as posições sobre os diferentes assuntos podem variar de uma época para outra.  Tanto as religiões quanto as ciências, são construções humanas, sujeitas a equívocos, e mudam com o passar do tempo, devido a diversos fatores.

Na Idade Média, muitos acontecimentos negativos eram atribuídos a castigos de Deus. Particularmente, em relação à Igreja Católica, esta época era caracterizada por uma luta de poder entre esta instituição e aqueles que pretendiam explicar a natureza de uma forma científica. A partir do Renascimento, com o avanço da ciência, ocorreu uma perda de espaço e credibilidade da religião, quando muitos acontecimentos, antes atribuídos à vontade divina, passaram a ser explicados cientificamente. 

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Imagens do filme “Pão Divino, a vida de São Tarcísio”

Neste período, a ciência passou a desenvolver seus próprios métodos de investigação distanciando-se da Igreja, gerando momentos de grande tensão. Grandes nomes apareceram naquela época, como Galileu Galilei (1564-1642) que, embora católico convicto, defendeu a autoridade da ciência, e teve que se retratar sobre suas teorias referentes ao sistema solar (CROATTO, 1994).

Nos últimos dois séculos houve um grande desenvolvimento científico, com o aparecimento de grandes nomes na ciência, como Charles Darwin no século XIX, que, embora ligado profundamente à Igreja, na Inglaterra, teve a coragem de apresentar suas teorias sobre seleção natural, no estudo da evolução das espécies. Outra área de grande desenvolvimento foi a Física, com a Física Quântica e a Teoria da Relatividade de Albert Einstein.  Convém salientar que Einstein, um dos maiores cientistas do século XX era profundamente religioso e sabia conciliar religião e ciência.

1.Missa Dia do meio Ambiente_09.06.13
Missa do Meio Ambiente – Horto Florestal  
 

Desde o Concílio Vaticano II (1962-65) a igreja católica tem se posicionado mais para o diálogo com a ciência possibilitando uma compreensão maior de ambas as partes. Salvo em episódios isolados, tem se mantido.

O diálogo e o bom senso revelam-se de suma importância para o caminhar da humanidade e para a construção do conhecimento. Ciência e religião se completam no ser humano, permanecendo no seu próprio campo de atuação e ambas interagindo entre si.

Cabe à religião observar o caminhar da ciência, e ampará-la, se necessário, no sentido que a ética esteja sempre presente, tanto no momento de se desenvolver os experimentos científicos, quanto na aplicação dos mesmos, de forma a respeitar o ser humano, os animais e o meio ambiente. 

Cabe à ciência observar a religião, no sentido que ocorrências de fenômenos que possam ser explicados cientificamente não sejam atribuídas a milagres divinos. 

Juntas contribuem para a construção de um mundo melhor onde as desigualdades sociais sejam minimizadas e cada ser humano tenha uma vida digna, respeitosa com suas necessidades espirituais e materiais satisfeitas.



veja ainda a 4ª  parte deste artigo…