CRENÇAS E RELIGIOSIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 2ª parte

CRENÇAS E RELIGIOSIDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 2ª parte

 

PERSPECTIVA TEOLÓGICA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 

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Retiro Semana Santa – Paróquia Nossa Sra. da Saúde

Mais que jamais, estamos à caça das manifestações divinas e sua acolhida, como elemento nucleador da cosmovisão do ser humano em nossos dias. De fato, a dinâmica cíclica da trajetória humana nos obriga a repensar os caminhos por onde desfilam os mitos religiosos e suas práticas rituais e místicas. Todas as profecias de um mundo sem religião que afloravam algumas décadas atrás, perderam completamente suas interjeições.

Os profetas dos deuses da tecnologia, das ciências racionais e das pesquisas cientificas se calaram diante da explosão de práticas míticas, místicas e ritualísticas que se espalharam pelas luzes da cidade. O fenômeno das práticas que parecia estar encantoado nos espaços camponeses, periféricos e rurais, bem como às pessoas empobrecidas e ignorantes do conhecimento acadêmico, invadiu as regiões urbanas, das periferias para os jardins, dos populares para as universidades, dos artesãos para os cientistas. 

Naturalmente, por questões culturais e mesmo discriminatórias, os ritos são aparelhados com distinção entre os ignotos e os doutos, entre os pobres e os abrasados, entre os “bregas” e os “chiques”. 

Para além de suas formas estruturais e de suas roupagens linguísticas e estéticas, notamos simplesmente que são idênticos na busca de respostas semelhantes para a mesma condição humana. Com o pressuposto de que os fenômenos naturais eram facilmente explicáveis pelos desbravadores das ciências biomédicas, da genética e ciências físicas, seus protagonistas acreditaram que não seria mais necessário levantar os olhos para responder suas próprias questões. Vestiram-se de vaidade cognitiva. Acreditando que as respostas trazidas secularmente pelas crenças, alimentadas pelos axiomas filosóficos, os estudiosos das ciências humanas agendaram as exéquias dos rituais religiosos e das suas respostas para o destino humano. Vestiram-se de deuses da razão em ritos secularizados. Diante deste roteiro, preparado nos bastidores do estádio onde as multidões se acotovelam nos centros urbanos e nas periferias sociais, o homem contemporâneo considera a religião como coisa do passado, legado da ignorância e mito a ser esclarecido. 

Porque, então, voltou à prática religiosa com tanta força e tanta inferência no tecido social de nossos dias, convivendo com a razão, com as ciências naturais e com as novas descobertas científicas? Faustino Teixeira (2011) aponta que “é difícil para o ser humano viver em um estado de tal insegurança ou incerteza. Não há como conviver em um mundo social sem ordenação e significado, pois a exigência humana de sentido é um dado antropológico essencial. Assim, verificamos nesse tempo de opacidades a afirmação e o crescimento de caminhos espirituais diversificados, como mecanismos essenciais de construção de teias de sentido em um mundo fragmentado”.

Teologicamente, descobriu-se que ficara um vácuo no espírito humano, pois estas respostas resolviam os questionamentos referentes à história humana, mas não abarca sua história transcendental. A necessidade de transcendência foi ignorada de forma inconsequente, como uma semente que a gente deixa jogada para trás na horta, mas que depois volta silenciosamente, cresce com vigor e exige atenção.

E como nos recorda Guimarães Rosa, no seu clássico “Grande Sertão, Veredas”, o ser humano sedento bebe qualquer água e se alimenta de qualquer raiz. Tudo isso pode ser bem perigoso, pois águas saciam, mas podem contaminar, raízes alimentam, mas podem envenenar. Este é o painel concreto das práticas religiosas de nosso mundo contemporâneo.

Mesmo que consideremos que muitas destas práticas religiosas que detonam os espaços rituais possam ser questionáveis, chegando mesmo ao charlatanismo, não se pode ignorar que elas conseguiram êxito. As práticas religiosas recolocaram a importância da espiritualidade, sem a qual o ser humano se esvazia e enlouquece.

As ciências humanas e podemos citar Peter Berger (1971) e Clifford Geertz (2006) revelam que a espiritualidade dos ritos dão referência e significado para a dor, o sofrimento e particularmente a morte, levando a compreender os paradoxos que se instalam em nossa existência. Dar sentido não quer dizer eliminar ou curar milagreiramente, mas imprimir significação e impulsionar seu enfrentamento.

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Imagens do filme  “Coração Imaculado, a vida e a obra de Bárbara Maix” 

Mais ainda, a ética destas práticas voltou a dar parâmetros para o ser humano desgovernado pela moral comunitária, que decretou sua plena liberdade. Considere-se também que cada pessoa precisa de seus próprios limites, para determinar as fronteiras de sua ação livre. Do ponto de vista da religiosidade podemos falar em liberdade somente quando definimos as margens de nossas possibilidades. Acenamos que nas manifestações religiosas mais tradicionais (divergem-se, digamos das produções de religiões, como Goethe falava da produção de políticos profissionais), a boa conduta ou a pureza de coração são as vias principais de acesso à experiência religiosa. (MARINA, 2012).

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Procissão de Corpus Christ – Paróquia Nossa Senhora da Saúde

 

Procuramos entender, a partir da teologia, estas manifestações de Deus. Deus é mais que uma fenomenologia dos ritos humanos, pois caso contrário não sobreviveria aos percalços e impactos dos vários setores das ciências. Mesmo que permaneçam os teimosos e presunçosos da cosmovisão contemporânea da “morte dos deuses”, no substrato humano prevalece a força e a graça divina que sustenta a existência em todos os seus aspectos fundamentais. Durkheim (1996), ensina que a pratica religiosa é uma força dinâmica capaz de fortalecer o espírito humano no enfrentamento da adversidade.

Mais que ignorar os fatos, que se evidenciam aos nossos olhos cotidianamente, é preciso tomar pé da situação. Faz-se necessário compreender o fenômeno, equilibrar suas práticas, para que o uso indevido e instrumentalizado dos rituais religiosos não provoque sua rejeição. O que, profeticamente se espera das práticas religiosas é que haja melhor equilíbrio entre o providencialismo e a inserção libertadora destas práticas religiosas, que o Deus revelado não seja a teologia da resignação e da retribuição, mas uma espiritualidade do não conformismo e da transformação social.

Deus é força de transformação e não apenas consolador das misérias humanas. A prática religiosa em seu modelo contemporâneo exige profetismo e não se entregar ao providencialismo divino, que é, na verdade, entorpecente nas lutas libertadoras do povo oprimido (BALTODANO, 2012). Assim como o uso irracional e desequilibrado da liberdade, pode levar à sua própria rejeição, a manipulação desregrada dos ritos provoca sua refutação e sua negação.

A construção dos mitos e ritos sofrem a interferência dos desdobramentos culturais e naturais, mas segue seu curso normal, contribuindo para inovar as práticas religiosas. Ao passarmos da simbologia do universo camponês para o universo urbano e do universo urbano para o universo virtual, notamos que a essência humana continua na construção de ritos que sejam eficientes para celebrar suas crenças e eficazes na elevação de sua mística. Fundamentalmente, o ser humano é marcado pela mesma busca transcendental que sempre se revelou, desde os tempos das cavernas, passando pelos tempos das fixações agrícolas, emigrando com ele, nos tempos das navegações.

Nem podemos dizer que este fenômeno emigrou, dado que estava presente em todos os povos e em todos os lugares do universo das descobertas.

Pertence ao ser humano, como seu elemento constitutivo. M. Granés (2012) anota: que devemos ter a precaução de não descuidar hoje daquela “dimensão espiritual” que ultrapassa toda a expressão cultural humana, aquilo que nossos antepassados chamaram de Deus. Se caso nos esquecermos disso, então ficaremos presos na pura animalidade”.

Os meios de comunicação, desde os mecanismos virtuais mais simples, até a complexa nanotecnologia não professam ideologia ou crenças religiosas. 

Estes instrumentos revelaram sua eficiência nesta guerra epistemológica, aproximando universos distintos, que se encontravam apenas em rodas de amigos, plateias acadêmicas, assembleias eclesiais e folhas de papel.

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Procissão de Corpus Christ – Paróquia Nossa Senhora da Saúde

Como serviram para o encontro e o confronto entre estes universos (razão e fé, ciência e religião), continua servindo de palco virtual e real para seu diálogo e compreensão mútua. As ciências teológicas e da religião são os moderados desta conversação plural. O diálogo continua aberto, uma vez que surgiram novas premissas no encontro entre as cosmovisões religiosas e o universo científico. A fé e a razão continuam ocupando o espírito humano, portanto não podem fragmentá-lo, mas equilibrar seu olhar transcendente, para o divino, e seu olhar imanente, para a história.


veja também a terceira parte deste artigo…