CONVIDADOS PARA A VIDA

CONVIDADOS PARA A VIDA

MORTE E RESSURREIÇÃO NO ALTAR

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Neste período, nos passos de Jesus, celebramos dois eventos contraditórios, mas complementares: a morte e a vida do Senhor, pois passando por sua cruz, com todas as dores e sofrimentos, humilhações e angústias, a liturgia nos encaminha para o auge de toda celebração cristã: a ressurreição do Senhor.

Jesus nos aponta para a ressurreição, mas nos faz compreender que o caminho da vida passa pelos trilhos do calvário. 

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Não se trata de uma exaltação do sofrimento, como se estes estágios fossem necessários para a conquista da vitória humana. Ao contrário, compreendemos que, embora a maldade e a dor fazem parte da história humana, eles não são fim em si mesmos, mas nos congregam para buscarmos unidos a bondade e a alegria.

Reconhecendo estes caminhos, celebrados intensamente na liturgia cristã, fazemo-nos seguidores de Jesus de Nazaré, nos passos de sua paixão e, como consequência desta opção religiosa, tornamo-nos parceiros dos irmãos que sofrem e lutam por vida mais plena. Cada passo da vida de Jesus é um chamado para nossa verdadeira interação com o próximo. A proximidade de Jesus nos leva à aproximação com os irmãos. Este é o compromisso da fé cristã. Para este compromisso, somos todos vocacionados.

 

VOCAÇÃO PARA A SOLIDARIEDADE

O caminho de Jesus é celebrado com grande devoção na Semana Santa, a grande semana. Do ponto de vista da religiosidade popular, esta semana litúrgica é muito expressiva. Os cristãos celebram com fervor, pois sentem em seus rituais a presença de Jesus em nossas dores e sua vocação divina para a solidariedade. Nestes dias, quando celebramos a entrada de Jesus em Jerusalém, sua permanência na cidade sagrada e os momentos dolorosos da sua paixão e morte, percebemos a presença de Deus em nossas vidas. Com esta configuração litúrgica, tocamos o coração de Deus, por sua história dolorosa e nos sentimos envolvidos pelo amor misericordioso de Deus em nossas próprias dores. A grande semana, como é denominada desde os tempos antigos, concretiza a solidariedade humano-divino e nos faz sentir que nunca estamos sozinhos em nossos próprios calvários. Vamos recordar os eventos mais importantes, para entender como Deus está em plena sintonia com seus fiéis.

 

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A primeira grande celebração é a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Notamos a simplicidade de Deus, como testemunho para os cristãos. Sua postura ainda mostra para os grandes poderosos, que devemos ser humildes. Ao contrário dos grandes guerreiros e imperadores que entravam nas cidades em fortes cavalos, bem arreados e com expressões de luxo em suas argolas, freios e indumentárias, Jesus cavalga um pequeno jumento. Este era o animal dos trabalhos nas roças, para transportar água e cuidar das plantações. Quando entra em Jerusalém com um animal insignificante, do ponto de vista bélica, Jesus mostra seu propósito. Ele não entra na cidade para anunciar a paz, para revelar o teor de sua messianidade. Ele não entra com grandes cortejos, mostrando assim que é um messias de paz, sem intenções guerreiras e com desejo profundo de servir.

Alegremente o povo acolhe seu convite e lhe faz uma grande festa. Uma festa popular, onde as pessoas mais simples compõem uma multidão cheia de esperança e de reconhecimento. 

O povo está cansado de ser assaltado por grandes poderosos que invadem suas praças e seus lares e saqueiam seus bens e suas colheitas. A acolhida do povo, com cantos, galhos de oliveiras e seus tapetes caseiros é a resposta popular do povo ao convite do Senhor, para construir uma nova comunidade humana, de irmãos e amigos, no bem e na paz. 


VOCAÇÃO PROFÉTICA DE JESUS

Naqueles dias em que esteve na grande cidade, Jesus viveu intensamente sua vocação profética. Os fatos relatados pelos evangelistas, que depois são recordados pela leituras das celebrações da Semana Santa, mostram os confrontos de Jesus com as autoridades maiores da Palestina. São dois os seus embates, para revelar seus ideais messiânicos. Sua ação incomoda o templo e o palácio. Sua coragem profética não permite que ele se cale diante das grandes injustiças.

Simultaneamente, ele confronta os poderes religiosos e os poderes políticos. Os primeiros representados pelos grandes sumo-sacerdotes, Anás e Caifás, os segundos nas pessoas do governador da Judéia, Herodes, e o grande procurador, Pôncio Pilatos, que se autodenominava imperador da Palestina.

Jesus denuncia estes dois grandes poderes que exploram o povo simples. O templo se tornara um “grande mercado”. E Jesus com chicote na mão denuncia: “não façam da casa de meu Pai, uma casa de ladrões”. Trata-se de um grito de indignação pois Jesus testemunha quanto as dependências do grande templo se tornara um espaço de exploração da religiosidade do povo e de sua boa-fé. Nos projeta imediatamente para os grandes conglomerados religiosos de nossos dias, onde a religião tornara-se uma “verdadeira babilônia”, gerando grandes riquezas em nome de Deus e de promessas funestas e enganadoras. A religião não deve ser meio de enriquecimento ilícito. Afinal, uma das garantias que uma religião é verdadeira é o testemunho simples e solidário de seus líderes. Podemos seguramente duvidar de movimentos religiosos que prometem milagres estapafúrdios, divulgam milagres ilusionistas e geram grandes riquezas para seus responsáveis. Deve ser uma das piores chagas da religião em nossos tempos.

Por outro lado, os palácios de Herodes e de Pilatos são igualmente testemunhos de grande injustiça. Como em nossos tempos, onde os governantes se servem de seus poderes e de suas leis, para angariar grandes riquezas e sustentar um grande sistema de manipulação das massas populares, Herodes e Pilatos mantém grandes riquezas em seus  palácios, com cortes escandalosas cheias de luxo e de vaidades. Jesus denuncia estas grandes injustiças. Ele tem mesmo coragem de chamar Herodes de raposa, pois conhece sua perspicácia e sua corrupção oficial. Jesus vê seu povo trabalhando arduamente para sustentar um sistema de riqueza e de corrupção dos romanos em seu próprio território.

A vocação profética de Jesus nos convida, como cristãos, sacerdotes, religiosos e leigos, a denunciar as grandes injustiças e propor um novo modelo de comunidade humana, com direitos e valores iguais para todos os filhos de Deus. A delicadeza das palavras de Jesus Cristo em suas pregações são igualmente incisivas. Não é possível calar-se diante das grandes injustiças que maltratam os filhos de Deus.

 

CEIA DO SENHOR: CONVITE À PARTILHA E AO SERVIÇO


Uma das celebrações mais tocantes da Semana Santa é a Ceia Derradeira de Jesus com seus amigos. Trata-se de um evento emblemático, no qual Ele quer deixar alguns sinais fundamentais e outros ensinamentos como testemunhos. Reconhecendo a gravidade daquele momento, os discípulos ficam muito atentos para compreender o projeto do Mestre para suas vidas. Não se pode ignorar que havia uma percepção do destino de Jesus e que estas eram as últimas horas de sua vida. Ele tinha compreendido que seu amigo, Judas Iscariotes, o tinha traído. Tratava-se agora de assumir seu destino e deixar seu testemunho.

Quando os discípulos se aproximam para cear, Ele deixa o primeiro recado, de forma evidente e segura. Quem quiser fazer parte do seu discipulado, deve servir e servir com humildade. Todas as pessoas importantes quando chegavam nas casas como convidados eram bem acolhidos, lavando-se-lhes os pés. Jamais, no entanto, o dono da casa ou seus filhos o faziam, pois era um trabalho deplorável. Tocar os pés empoeirados, enlameados pelo barro da estrada e sujos com as repugnâncias do caminho, não era um trabalho para senhores, mas para servos mais humildes. Neste seu gesto de lavação dos pés, Jesus revela a vocação ao serviço. Esta é sua atitude, a qual revela sua vocação. Assim, somos convidados para servir com a mesma humildade. 

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Não se trata tão simplesmente de lavar os pés, em sentido literal; antes é uma atitude verdadeira de estar a serviço dos irmãos. São atitudes concretas e verdadeiras; ao contrário tornam-se pregações falaciosas e ilusórias. Ser discípulo de Jesus implica em servir os irmãos, o que se realiza com  gestos concretos.

Na continuidade desta ação de Jesus, encontramos a celebração da ceia. Uma ceia humilde de simples, mas verdadeira, que congrega os irmãos no mesmo ideal. A verdade desta ceia se concretiza na partilha do pão, que simboliza a partilha dos bens fundamentais para a vida humana. Se a partilha do pão na ceia eucarística for verdadeira e fecunda, nos levará a partilhar as coisas que são necessárias para a vida humana, como a comida, a saúde, a moradia, a educação, entre tantos dons divinos.Esta vocação de Jesus nos provoca à partilha de todos os bens. Partilhar nosso tempo, nossos ideais e nossa fé. Partilhar é reconhecer-se irmão, é fazer-se filho de Deus.Então, que o gesto do “lava-pés” executado por Jesus e a “ceia derradeira” são convites para vivermos como seguidores do Nazareno. Estes gestos são revividos e celebrados na Ceia Eucarística; pois que assim todo fiel que participa da Missa está sendo convidado para viver a humildade e praticar a partilha dos bens.



VOCAÇÃO À SOLIDARIEDADE NOS PASSOS DO CALVÁRIO

O caminho de Jesus ao calvário tem uma sucessão de personagens que manifestam o convite de Jesus para realizar coisas maravilhosas em sua vida. A situação concreta de Jesus, como um inocente condenado, sem direito a sua própria defesa provoca piedade e compaixão de pessoas do povo. Ao mesmo tempo que os soldados revelam crueldade e  os poderosos se escondem em seus palácios e em seus templos, seres humanos bondosos atestam gestos concretos de misericórdia.

Os personagens, tão conhecidos de todos os fiéis, pelas rezas devocionais da Via-Sacra são exemplos vivos de solidariedade e dedicação a Jesus.

Pensamos no gesto corajoso de Verônica que atravessa a muralha dos soldados para enxugar o rosto ensanguentado de Jesus, bem como na participação do Simão de Cirene que leva a cruz do Senhor por alguns momentos. A presença de Maria é um sinal de que Jesus sente-se profundamente humano e se sente fortalecido pela presença de sua mãe.

Todos os amigos de Jesus se fazem presentes e oferecem sua solidariedade. O caminho do calvário é profundamente vocacional, pois nos convida para ofertarmos nossos dons em favor dos irmãos, particularmente aqueles que sofrem.

É Vocacional, pois o sofrimento dos irmãos nos convida para o sacerdócio e entregar a vida pelo povo, para servir e evangelizar. É vocacional igualmente, pois todos cristãos são convidados a estender as mãos para socorrer os pobres, doentes, abandonados e oprimidos. Como no caminho do calvário, a Igreja nos convida para servir. Servir na solidariedade para com os miseráveis e ainda entregar-se na missão de anunciar o Evangelho.

 

VOCAÇÃO PARA A VIDA

O caminho da cruz é o itinerário da ressurreição. Veneramos a cruz, pois ela nos abre as portas da vitória da vida. Todos preferimos as alegrias da ressurreição, mas sabemos que passamos pela cruz.

Não maldizemos a cruz, mesmo que seja doloroso carregar a cruz em nossa vida. Mas a cruz desperta a partilha, a comunhão e a gratidão. Quantas famílias se unem a partir de momentos cruciais que vivem.

Quando nos amamos, a cruz e o calvário da vida no unem e nos fazem mais irmãos. Pela cruz, somos redimidos, pois ela nos abre para a ressurreição da vida e para a vitória sobre o egoísmo e a morte. 

 

 

 

 

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Pe. Antônio S. Bogaz – Prof. João H. Hansen: orionitas

Autores de Quaresma: símbolos, sinais e teologia. Editora Recado. 2014.

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Conhecendo mais…

  

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AS ORIGENS  DOS RITUAIS DA SEMANA SANTA

Estes rituais pascais são celebrados desde as primeiras décadas do cristianismo. Encontramos estas festas bem estruturadas em Jerusalém, conforme os relatos de um texto de uma peregrina, chamada Egéria, que conta como os cristãos celebravam. É um testemunho maravilhoso e cheio de revelações. Todas as demais Igrejas também celebravam em suas cidades estes eventos. A diferença é que em Jerusalém eles celebravam no mesmo horário e local onde os fatos se passaram. É muito emocionante a descrição. Como aquela comunidade tinha o privilégio de estar nos lugares dos acontecimentos originários, o povo acorria, em grande número, ao Monte das Oliveiras na manhã do domingo e caminhavam, como constatamos, na direção da cidade. Tratava-se de uma imitação da entrada triunfal do Senhor nos portais da cidade, até sua praça central, como ocorrera alguns séculos passados. A celebração dos ritos, de forma festiva e solene, permite sua popularidade. Com efeito, a comunidade revive os acontecimentos refazendo seus quadros em forma de dramatização. A leitura bíblica que narra os acontecimentos, como ocorre em nossas celebrações atuais, concentra a atenção dos fiéis para reviver a alegria daquela comunidade antiga e prestar sua homenagem ao Senhor, o Messias. Não se celebravam, nos primeiros séculos, a Ceia Eucarística e a comunidade se dispersava depois das procissões.