ESPIRITUALIDADE DAS CELEBRAÇÕES QUARESMAIS
O Concílio Vaticano II, no seu documento sobre a Liturgia (SC 109s) nos trouxe a possibilidade de aprofundarmos a espiritualidade quaresmal utilizando os elementos batismais.
Pelas orações e prefácios deste período do Ano Litúrgico, somos convocados a renovar e aprofundar as diretrizes fundamentais da iniciação cristã, endereçadas à conversão e à penitência.
Podemos considerar todas as celebrações feriais, mas os acenos mais significativos se encontram na liturgia dominical, que é sempre um momento muito forte da vivência comunitária.
A Igreja considera relevante o fato de contarmos com a participação maior dos fiéis nas celebrações.
Ao destacar suas mensagens, temos a certeza de que Igreja aproveitou bem este importantíssimo período para refletir sobre o batismo dos cristãos.
Apesar dos elementos, aparentemente, comuns referentes às celebrações, temos várias temáticas específicas, que no seu conjunto nos levam ao conhecimento mais profundo da liturgia quaresmal.
A TENTAÇÃO DE CRISTO E NOSSAS TENTAÇÕES
No início da quaresma a liturgia nos apresenta as tentações do Senhor no deserto. Este é um dos temas mais constantes neste período, dada a importância das tentações que nos perseguem a cada dia.
A espiritualidade quaresmal – leituras e orações – mostra a tentação que estava presente em Jesus como ser humano e, portanto, um homem como nós. De igual feita, atinge, é claro, a humanidade, a vida de todos os cristãos.
A tentação dos poderes religioso, econômico e político, nos dá uma clara evidência de que precisamos fortalecer o espírito para vencer todas as ciladas do inimigo.
Para mostrar a importância do jejum e do sacrifício para podermos vencer os males, Jesus fortalece seu espírito durante os quarenta dias de jejum no deserto, para preparar-se com toda a sua fidelidade para a missão que lhe foi destinada, apesar de todas as adversidades que encontrará no caminho.
A tentação da transformação dos pães em pedra representa a habilidade do poder econômico, para ter todos os bens e viver na opulência representa o poder econômico.
A tentação sobre o templo, contando com os anjos para socorrer expressa a predominância do poder religioso que manipula os fiéis e os controla, pelo medo e pela ameaça. Finalmente, a tentação de dominar a cidade significa o domínio perverso dos poderes políticos que se servem das artimanhas do mal para dominar as nações e seus cidadãos. São poderes bons, em princípio que confinados ao “demônio” tornam-se fontes de pecado.
Todas as tentações apresentadas a Jesus no deserto são vencidas por Jesus. Elas são um resumo simbólico dos conflitos que Cristo enfrenta. Na realidade, os cristãos enfrentam inúmeras tentações nos diferentes momentos da vida e devem estar fortalecidos para vencê-las, sem entregar-se aos poderes do mal. Pode-se entender perfeitamente que a mensagem destas orações é a garantia da vitória do bem, simbolizado no Cristo que vence as tentações.
CRUZ COMO CAMINHO DA RESSURREIÇÃO
As orações quaresmais, sempre em referência às leituras, nos mostram o conteúdo bíblico da celebração eucarística, onde se revela a glorificação pascal de Jesus Cristo.
A ansiedade e a aflição dos discípulos contracenam com a transfiguração do Senhor.
Esta passagem se encontra no contexto que anuncia sua paixão, morte e ressurreição.
Por estas passagens bíblicas, rezamos o mistério pascal, que passa pela cruz do Senhor e nos eleva para sua vitória sobre a morte.
As preces sublinham a resignação dos discípulos e sua humildade para seguir o Mestre.
Muitas coisas os discípulos não compreendem, como também nós não compreendemos tantas coisas, pois estão escondidas no mistério do Senhor, mas temos a certeza que o amor de Deus nos reserva grandes maravilhas.
A espiritualidade destas orações nos ensina que o mistério da Cruz não se finaliza em si mesmo, mas se apresenta como caminho da vida.
A mística da cruz nos aponta para a vitória da vida. É preciso lutar e vencer, para compreender o sabor da vitória sobre o mal.
O propósito destas preces, referentes à “transfiguração do Senhor” é destacar Jesus em sua plena realidade humana, na qual se revela sua plenitude divina.
A revelação de Deus sem passar pela história e pela humanidade é comum em todas as religiões; somente no cristianismo Deus se revela na humanidade, para partilhar de sua condição humana e nela revelar seus desígnios e conquistar o Reino de Deus.
O mesmo prefácio quaresmal ressalta o esplendor de Jesus. Ele não é derrotado pela morte, mas pela morte efetiva sua glorificação.
Esta espiritualidade quaresmal nos dá a conhecer a unidade de cada um de nós com Deus. N´Ele, seremos todos transfigurados.
Como Jesus foi elevado, igualmente nossos corpos mortais serão elevados, quando Ele se manifestar em nossas vidas.
PURIFICAÇÃO E ILUMINAÇÃO BATISMAL
As orações quaresmais, dentro da mesma mística das as celebrações, insiste em dois temas fundamentais para a renovação da espiritualidade dos fiéis.
A partir da passagem bíblica do diálogo de Jesus com a samaritana (Jo 4), somos convidados para purificar nosso espírito de todos os preconceitos.
Jesus, ao conversar com a samaritana, demonstra que todos os preconceitos devem ser superados.
Considerando que os samaritanos eram visto com certo desprezo pelos habitantes da palestina – os hebreus – a atitude do Mestre é de acolhida para com a mulher.
Todos os nossos preconceitos devem ser superados e purificados de nossas ideias preconcebidas pelas nossas mentalidades, que herdamos de experiências históricas mal sucedidas.
Ao falar em “poço de água viva”, retomamos a catequese da iniciação cristã. Renovar a vida, lavar os pecados e se deixar iluminar pela luz divina.
A fonte da água da samaritana, bem como a fonte da água do deserto, cavada por Moisés (Ex 17, 3-7), convidam para a renovação da própria história.
Por esta razão, as orações e os prefácios expõem a nossa condição de pecadores.
De fato, as celebrações eucarísticas apresentam evangelho da purificação do templo (Jo 2, 13-25) e a parábola da figueira estéril (Lc 13, 1-9).
Rezamos a nossa purificação e nossa iluminação espiritual, para vivemos bem a quaresma.
Ainda nesta linha de aprofundamento, a cura do cego de nascença (Jo 9) aponta o batismo como cura de toda cegueira, para enxergar a luz.
Os batizados são chamados como “iluminados”. A ação de Jesus conduz a humanidade à iluminação pela fé.
De igual modo, o diálogo entre Jesus e Nicodemos expressa o simbolismo da luz. Tornar-se cristão significa iluminar por Deus e participar de seu mistério pascal.
Toda espiritualidade quaresmal nos encaminha para a conversão. Somos pecadores, mas não nos vivemos na desesperança. Todas as preces, gestos e ritos nos apontam para a purificação do espírito, a conversão do coração e a vitória sobre a morte. A quaresma aponta o caminho da vida e da ressurreição.
Prof. João H. Hansen – Pe. Rodinei C. Tomazella – Pe. Antônio S. Bogaz
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