CULTO AOS MORTOS RITUAL DE FE E ESPERANÇA

CULTO AOS MORTOS

RITUAL DE FÉ E ESPERANÇA

 Todos os fiéis celebram com grande fervor os santos, pois são figuras muito próximas da vida dos fiéis, seja por suas histórias comuns e mesmo extraordinárias, quanto por estarem perto de Deus e serem mediadores de graças em favor dos mesmos fiéis.

Entre os tantos personagens que celebramos em nossas liturgias, encontramos muitos deles que são santos populares, que são aprovados oficialmente pela igreja e igualmente pelo povo de Deus. Os santos mais queridos pelo povo são cristãos que marcaram a vida de suas comunidades, viveram e venceram dramas em suas histórias e tornaram-se grandes modelos de cristãos.

 

A SOLIDARIEDADE DA IGREJA

 A Igreja reconhece e valoriza o culto dos santos, pois acreditamos que são nossos intercessores na glória de Deus e estimulam o seguimento dos cristãos, promovendo a resistência nos momentos de aflição e sobretudo a vivência dos valores da santidade: fé, justiça e caridade. Os rituais elevam a história destes fiéis escolhidos como modelos e colocam suas memórias como estímulo para vivermos seus mesmos sentimentos. A resistência deles nas dificuldades e nas adversidades ensinam que é preciso resistir na prática do bem e ser fiel a Deus e aos princípios católicos, mesmo quando a inversão dos valores torna-se uma prática corriqueira diante dos infortúnios da vida. Quando tantos fiéis, fracos na fé e vulneráveis na fidelidade à Igreja, trocam de religião ou renegam a Deus com muita facilidade, os santos testemunham que o verdadeiro cristão é fiel até a morte, mas, sobretudo durante a vida.  

Os pastores da Igreja, bem como as equipes de liturgia devem se preocupar para que as figuras dos santos não turvem a centralidade absoluta do mistério pascal de Cristo; antes os santos – Maria, mártires, pastores e santos populares – enaltecem o mistério de Cristo e o iluminam com suas próprias louvações. Todas as celebrações dos santos são necessariamente referenciadas ao próprio Cristo, que é o mediador absoluto do Pai junto à humanidade.

Os santos são irmãos na fé que nos antecederam no caminho da santidade e nossa veneração é o reconhecimento que serviram a Deus e foram servos do Reino. Somos todos convidados à santidade.

Neste caminho de santidade, na esperança da redenção divina, encontramos “todos os falecidos que batem às portas do paraíso e aguardam sua misericórdia infinita”. Estamos anunciando a “celebração dos fiéis defuntos”, uma celebração extremamente popular de nossas devoções cristãs.

 

MENSAGENS BÍBLICAS: CONSOLAÇÃO E FÉ

 

Nas celebrações pelos falecidos, particularmente nas missas particulares e no ritual antes do sepultamento, os textos são muito bem escolhidos para consolar a família e amigos, mas, sobretudo para fundamentar a doutrina da ressurreição.

Os textos do Antigo Testamento recorda que é “bom rezar pelos mortos, para que encontrem paz em Deus e suas almas sejam consoladas e redimidas por Deus” (2Mc 12,43-45).

Numa outra leitura, no livro da Revelação do Apocalipse, lemos que os mortos estão com Deus num lugar onde todos viverão em paz e toda lágrima será enxugada. Assim lemos: “Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima; não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento e nem dor; porque toda antiga ordem está  encerrada. Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21, 4-5) .  Desperta-se a certeza de que a vida depois da passagem deste mundo é um prêmio e todos devemos lutar para conquistá-lo. Nos textos do evangelho, encontramos a firme promessa de Jesus que garante que  “não deixará perder nenhum daqueles que  lhes foi entregue pelo Pai”. Esta é a promessa do Pai, feita através de Jesus Cristo: todos aqueles que creem em seu nome, terão a vida eterna. Esta é a promessa de Jesus a todos os cristãos: “Todos os que o Pai me confia virão a mim, e quando vierem, não os afastarei”  (Jo 6, 37 – 37). De fato, Jesus  anuncia que “esta é a vontade do Pai, o qual me enviou: que Eu não perca nenhum de todos os que Ele me deu, mas que Eu os ressuscite no último dia”. E mais ainda, Jesus continua anunciando que “Eu lhes dou a vida eterna, e elas nunca perecerão; tampouco ninguém as poderá arrancar da minha mão” (Jo 10, 28). Esta é a mensagem de Jesus para todos os fiéis no momento difícil das despedidas funerais.

 

RESPOSTA PARA A DOR HUMANA

 

A celebração dos fiéis defuntos é uma resposta para a dor humana.  O exemplo vem do próprio Cristo que abriu para todos os  povos as portas do paraíso, como nos ensina Paulo, quando escreve aos Romanos, em tempos de martírio e sofrimento: Quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com ele pela morte do seu Filho; quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida!(Rom 5, 10)

No livro de Jó, no auge de sua dor e de sua lamentação, este servo de Deus eleva sua esperança, clamando sua fé mesmo nos infortúnios e na morte de seus entes queridos. Ele crê e espera e isso alimenta seu espírito para seguir nos caminhos de Deus: Eis suas palavras: “Gostaria que minhas palavras fossem escritas e gravadas numa inscrição com ponteiro de ferro e com chumbo, cravadas na rocha para sempre! Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne, verei a Deus. Eu mesmo o verei e  meus olhos o contemplarão” (Jó 1, 23-27). São estas palavras que nos animam nas visitas aos cemitérios e nas horas longas dos velórios. Deus tem sempre uma palavra para nos confortar.

 

CELEBRAR OS MORTOS: SAUDADE E ESPERANÇA

 

Todos os padres e comunidades sabem como as celebrações pelos mortos são frequentes dentro da vida litúrgica paroquial. Os nomes dos falecidos são apresentados para serem proclamados durante as celebrações. As famílias e amigos vêm rezar pelos seus entes queridos e gostam de ver os nomes anunciados. As comunidades realizam orações, terços e missas pelos seus mortos. Não tendo uma definição oficial, a proclamação dos nomes pode ser feita no início, no momento das preces ou na oração pelos mortos.

Os agentes de pastoral devem acolher com respeito e afeto as famílias enlutadas, pois estão vivendo um momento de drama e sofrimento. A morte de um ente querido deixa os sentimentos  muito fragilizados. Merecem, por isso muita solidariedade. A leitura do nome dos falecidos deve ser feita com atenção e clareza, para evitar leituras erradas de nomes, o que é humilhante para os familiares.

Leituras e cantos trazendo o tema da ressurreição dão o significado cristão do culto. As celebrações, por seu espírito de luto e esperança, devem ser sóbrias.

As celebrações das exéquias são muito importantes para a evangelização e os participantes normalmente permanecem atentos à Palavra de Deus e estão muito abertos à mensagem proferida no culto.

Quando a pessoa falecida não for conhecida da comunidade, evitar mudar as leituras e reflexões. Evitar ainda juntar intenções de caráter divergente, como por exemplo juntar a celebração de mortos com a celebração de bodas de casamento. Sobretudo, não perder a centralidade do mistério pascal de Cristo na liturgia e nem romper de modo frequente a continuidade da reflexão do tempo comum.

 

INTERAÇÃO ENTRE OS SANTOS E OS FALECIDOS

Como sabemos, a “celebração de todos os fiéis defuntos” ocorre no dia 02 de novembro, dia seguinte à solenidade de todos os Santos. Estas duas liturgias comungam o mesmo tema: a santidade e a ressurreição. De fato, devemos considerar que se trata de um fator humano, uma vez que todos os grupos humanos celebram seus mortos, ainda que de forma bem diversificada. Normalmente, choram sua partida e partilham sentimentos, tratando o ente querido como uma pessoa presente em suas vidas. Despede-se do  corpo, mas não do seu espírito. Em nossa fé cristã, os costumes típicos do ritual de “exéquias” foram herdados das religiões orientais, onde dos rituais e orações cuidam dos corpos, cultivam o espírito e professam a fé na continuação da vida.

Nosso ritual atual foi composto ao longo dos séculos pelas comunidades cristãs e foi crescendo no conjunto das celebrações, devido ao sentimento de tristeza e comunhão das despedidas funerais. Neste ritual, procuramos dar respostas para a morte dos fiéis, partindo das leituras bíblicas e das orações. É saudável recordar os entes-querido,  consolar a saudade e tomar consciência de que não estão desaparecendo de nossas vidas, apenas mudaram sua forma de existir. Para além da tristeza, renasce a esperança e o Cristo vem ao nosso encontro, vem nos buscar para habitar com Ele pra sempre (1Ts 4,13).

O objetivo desta celebração é consolar a tristeza dos que vivem, compreendendo que ainda partilhamos o mesmo lugar no coração de Deus. A separação física é suavizada pela convicção de que os mortos estão na paz. Eles  esperam em Deus para serem redimidos de seus pecados e purificados vivem para sempre.  

A celebração dos fiéis falecidos elimina a mentalidade estranha do “dia da ira”, marcado pelo medo e pela incerteza e confirma o amor e a misericórdia de Deus.

A despedida é suavizada pela esperança de que um dia nos encontraremos e estaremos todos juntos, espíritos purificados, na casa do Pai. Afinal, como diz a canção: “a vida para quem acredita não é passageira ilusão e a morte se torna bendita porque é nossa libertação”. Crer é esperar. 

 

CULTUAR OS MORTOS: ENTRE DEVOÇÃO E IDOLATRIA

 

A veneração aos mortos não é uma simples superstição, mas um gesto de fé humilde e confiante. Bem mais, cultuar os mortos revela atitude idolátrica, antes é um rito de reverência e afetividade.

Acreditamos que os falecidos, todos eles, viveram na terra como “santos e pecadores” e que no seu encontro com Deus esperam em sua misericórdia para entrar no reino dos bem aventurados. Para os santos canonizados, celebrados na Festa de todos os santos, elevamos nossa prece para que intercedam por nós. Na celebração dos mortos, pedimos clemência ao Senhor, para que sejam purificados e acolhidos entre a multidão dos santos.

A demarcação de tempo que organizamos nos rituais dos mortos são formas humanas, integradas no tempo, pois para Deus o tempo é a eternidade e todos os ritos servem para nossas necessidades, pois no paraíso não existem tempo e nem espaço, somente a graça de Deus.

Somos impelidos para celebrar a memória de nossos falecidos, pois acreditamos que eles repousam em Deus. Rezando por eles, entramos em comunhão afetiva e vivemos momentos de encontro espiritual.

 

REVIVER MOMENTOS DE COMUNHÃO

 

Cremos na ressurreição, portanto nossos falecidos não voltam mais para nosso mundo material, pois fizeram sua passagem mística. Não mais poderão falar ou nos tocar, pois para falar e tocar dependemos de um corpo material que os mortos não mais possuem. Como entramos então em comunhão com os falecidos? Devemos estar atentos às autossugestões tão presentes em algumas confissões religiosas.

Quando rezamos pelos nossos falecidos, entramos em comunhão com eles.

Assim: nossos falecidos estão com Deus, presentes em seu coração. Se Deus está presente em todos os lugares, ele está presente também entre nós. Se nossos mortos estão em Deus e Deus está em nós, através de Deus, estamos em comunhão com nossos entes queridos. É uma comunhão espiritual. Deste modo, por certo,

quando rezamos pelos falecidos, entramos em comunhão com eles. Por isso, recordamos seus nomes e suas histórias. Este encontro entre o mundo espiritual e o mundo material se realiza especialmente na celebração eucarística.

Por isso, na Celebração dos fiéis defuntos, nos recordamos de algumas tradições perdidas no tempo como as Treze Almas, os falecidos esquecidos e os falecidos na aflição. São tradições que se misturaram com superstições, mas tem um forte componente espiritual e devocional, que não podemos desprezar. São tradições perdidas no tempo.

Todas as preces são importantes neste caminho espiritual que nos une aos falecidos afetivamente e nos propicia um encontro espiritual com eles, sejam os

rosários, orações nos cemitérios, velas nos cruzeiros e tantos modelos de  capelinhas. É um encontro que suaviza a saudade e nos permite reviver lembranças afáveis de uma história comum que a morte não pode destruir. Com a morte, não morremos, apenas transformamos nossa maneira de existir.

 

 

Pe. Antônio Sagrado Bogaz – Prof. João H. Hansen

Autores de : Creio na comunhão dos Santos. Paulus: 2015

 

 

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BOX 1

PISTAS  PARA MISSAS DOS MORTOS

 

Todas as formas de celebração que conferimos aos nossos rituais são, antes de tudo, resquícios de nossas tradições. Os primeiros testemunhos que nós temos do culto aos mortos, particularmente os mártires, são as comemorações nos próprios túmulos, de forma muito simples e desprovida de grandes cerimoniais. Eram tempos de perseguição e martírio.

Nos séculos posteriores, surgiu a tradição de recordar os falecidos no  3o  dia, no  9o  dia, no 30o  e finalmente nos aniversários. Na Idade Média, a memória  dos mortos passou a ser celebrada no 7º dia, no 30º dia  e mesmo no 40º.

Desde o início do cristianismo, as comunidades começaram a comemorar seus mortos com orações nos túmulos e celebrações eucarísticas em sua lembrança. A celebração dos mortos nas comunidades manifesta a fé na ressurreição dos cristãos, pois os fiéis rezam por seu descanso eterno. A concentração das intenções está, sobretudo, na celebração do sétimo dia.

São duas hipóteses para a celebração do Sétimo dia.

1 – O “sétimo dia” representa o fim dos tempos. Simbolicamente, neste dia, o falecido se apresenta diante de Deus para o seu julgamento. A comunidade dos fiéis suplica para que ele possa obter a misericórdia divina.

2 – Nos tempos antigos, com grande influência da vida rural, quando falecia um membro da família, não havia tempo para uma celebração com todos os parentes distantes. Assim, dava-se o sepultamento e no “sétimo dia” todos os familiares e amigos se reuniam no cemitério ou numa capela para uma cerimônia de adeus. Normalmente esta celebração era a missa.

Os ministros da Igreja tratam com muita delicadeza o ritual de passagem de nossos falecidos, pois além de ser um momento muito dolorido pelos familiares, é um espaço formidável de evangelização e catequese sobre a vida eterna e a comunhão dos santos.

Do livro: A comunhão dos santos: Paulus. 2015

 

 

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DIA DOS MORTOS: FESTAS TRISTES

 

Muitas culturas humanas procuram suavizar a dor da despedida através de rituais festivos, que possam minimizar a saudade. Estes rituais acontecem nas despedidas particulares dos entes queridos, mas particularmente nas celebrações das festas anuais dos mortos.  Podemos notar estas festas nas ceias funerais dos povos asiáticos émuito mais exuberante nos rituais cristãos-indígenas dos mexicanos. Notam-se grandes mesclas entre as tradições indígenas e os sentimentos cristãos. Não se trata de festejar os mortos, mas festejar com os mortos; recuperando a ausência dos que partiram e partilhando com eles canções, danças e comidas. São formas de aproximar o mundo dos vivos com o mundo dos mortos.

No México, o dia dos mortos é dia de festa, uma das maiores comemorações do país. São vários dias de celebração. Dizem os mexicanos que é festiva pois os mortos estão num lugar melhor e então não se deve chorar, mas se alegrar. No dia dos mortos, estes tem permissão para voltar ao mundo dos vivos e encontrar seus entes queridos. É a celebração do reencontro. Primeiro se acendem velas pretas, para chamar todas as almas, depois chegam os “pequenos anjos”, as crianças falecidas, com velas brancas. No dia 1º de novembro, chegam as almas jovens e adultos. As velas são coloridas. Todos se vestem com máscaras para brincar com os mortos e participarem de banquetes, fazendo as comidas que eles gostavam. De fato, antigamente no México os mortos eram sepultados embaixo das casas, pois continuavam fazendo parte da família.