CONVIDADOS PARA A VIDA PLENA
Nascemos para a vida, pois somos “filhos do Deus da vida”. Este é o desejo divino para o destino humano e para o destino de toda natureza.
Dentro desta perspectiva, refletimos o tema da Campanha da Fraternidade: cuidar dos biomas brasileiros, pois eles são essenciais para a perfeição da obra da criação e para a vida humana, sobretudo os mais pobres.
Os dias quaresmais nos levaram à penitência, curando as feridas de nossos pecados. Um tempo propício para refazer nossos propósitos batismais: amar e servir a Deus.
Amar a Deus como princípio de fim de todas as coisas e servi-lo em todas as coisas que Ele criou. Este é o caminho do reino de Deus, que todo fiel cristão deve trilhar a cada momento de sua existência.
Deus espera de nós caminhos verdadeiros de justiça e de paz, para que o mundo seja melhor, para que a natureza seja respeitada e todos vivam felizes.
No meio de tanta demolição dos bens divinos, destacamos alguns personagens que responderam ao chamado divino com coragem e dedicação. Permanecem modelos de fé e de caridade por todos os tempos. Os biomas naturais serão salvos se a história tiver homens e mulheres proféticos, capazes de transformar os rumos da história. Vamos frequentar o coração destes grandes heróis do cristianismo. Eles acolheram o convite divino. Sua vocação foi servir os irmãos, como expressão do amor a Deus.
CONVITE À SOLIDARIEDADE
No caminho cansativo e empoeirado do calvário, quando a cruz se faz cada vez mais pesada pelo cansaço que cresce em seu corpo, pelo sangue que escorre de seu rosto e pelos ferimentos que esmagam suas mãos e seus pés, Jesus suplica solidariedade. Alguém precisa servir suas forças, para amenizar suas dores infernais. A multidão está excitada e particularmente barulhenta pelo espetáculo atroz. Nem percebe os sofrimentos de um homem que somente praticou o bem. A multidão assiste a um espetáculo dantesco, como nós assistimos nas calçadas, nos programas boçais de televisão e nas grandes guerras. Misturam-se a emoção e o sadismo, a omissão e o medo e ninguém faz nada para proteger o “homem de Nazaré”. Mas um estrangeiro é convidado à solidariedade. Mesmo com medo e correndo riscos graves, Ele estende a mão, oferece seus braços e sua força e carrega a cruz. Assim relata a passagem bíblica: E, quando saíam, encontraram um homem cireneu, chamado Simão, a quem constrangeram a levar a sua cruz. (Mt, 27, 32). Por certo, sua atitude foi fundamental para animar o espírito e fortalecer o corpo daquele Condenado. Condenado às dores, ao suplício sem perder a dignidade.
Seu exemplo se estendeu por séculos e sempre engrandeceu a história dos seguidores de Cristo. Quando tantos se enriquecem com seu nome e usam seus evangelhos para ganhar fortunas, testemunhamos verdadeiros servidores da causa da solidariedade. Ao longo da história recordamos nossos santos, como aqueles religiosos consagrados que assumiam o lugar de condenados por infiéis, para morrerem em seu lugar. Não precisamos voltar muitos anos na história. Que grande foi a solidariedade de Maximiliano Kolbe, que ocupou o lugar de um pai de família para não deixar órfãos seus filhos. Ele viveu no calabouço e depois foi metralhado. Ficou a gratidão no coração daquele pai que viveu para seus filhos e em nossa tradição, a memória de um grande santo, exemplo de solidariedade.
Este é o verdadeiro ensaio da ressurreição. A vida que nasce da paixão e do sofrimento, a vida que nasce das dores e das nossas misérias. Vida plena que nasce das cinzas.
CONVITE À PRESENÇA
Quando revivemos os passos e os acontecimentos das últimas horas de Jesus, notamos a solidão no meio da multidão. Para os infiéis que apreciam o espetáculo como tolos que se espicham para ver corpos no chão num acidente, a multidão tem desejo mórbido de apreciar a dor e ouvir os açoites cruéis. A multidão não tem culpa, pois ela é manipulada pelos poderes perversos (templo e palácios) que montaram a tragédia real, encenada nas ruas e nas praças, na montanha e nos vales. Encenação sórdida e gratuita, com interesses semelhantes àqueles dos grandes circos romanos ou de nossos ringues, regados à violência, tão bestiais como touradas.
Nem todos se apraziam com estes gritos de dor e sofrimento de um inocente. Seus amigos e familiares e seus fiéis sofrem e sentem em seu corpo aqueles golpes malignos. Eis, no meio da multidão, que surge um grupo de mulheres que avançam sem medo. A passagem é muito bonita e significativa: Um grande número de pessoas o seguia, inclusive mulheres que lamentavam e choravam por ele. Jesus voltou-se e disse-lhes: “Filhas de Jerusalém, não chorem por mim; chorem por vocês mesmas e por seus filhos!
Pois chegará a hora em que vocês dirão: ‘Felizes as estéreis, os ventres que nunca geraram e os seios que nunca amamentaram! (Lc, 27-29). Elas enfrentam a multidão, atravessam a barreira dos soldados e vem consolar o homem de Nazaré.
Semelhantes a estas mulheres, sempre tão destemidas, quando parecem tão frágeis, encontramos mulheres em nossas comunidades que enfrentam desafios, que têm coragem de enfrentar estruturas malignas de poder. Não é difícil recorrer à memória e encontrar a força da Irmã Doroty, que não fugiu das ameaças dos latifundiários perversos que não querem partilhar. Recordamos a mãe dos pobres, Zilda Arns, que assumiu a maternidade de uma incontável multidão de pobrezinhos e tantas como Irmã Dulce, com os doentes, a Irmã Alberta, entre os desabrigados das terras. Não procuramos nomes conhecidos, celebrizados pela mídia. Falamos antes de personagens quase anônimos, que vivem seu cotidiano como oferenda aos irmãos. Mulheres corajosas que choram a dor dos pobres, dos abandonados e dos infelizes.
Somos convidados a sermos presença fraterna onde as famílias estão abandonadas nas periferias, nas chamadas periferias existenciais. Nestes lugares, choramos seus filhos e lhes estendemos as mãos com carinho e atenção, para renovar a esperança e tornar mais plena a vida de cada dia. Celebramos a palavra, partilhamos a eucaristia e consagramos suas vidas ao Deus que carregou a Cruz e que gloriosamente ressuscitou.
CONVITE À PARTILHA
Depois de longos passos na encosta de uma colina íngreme, Jesus chega ao calvário. Seus pés estão cansados e seus passos são trôpegos. Seu coração está dilacerado pelo encontro com sua mãe, que lhe abraçou e fortaleceu sua coragem. Seu rosto marcado pelo sangue que escorre da coroa cruel de espinhos, está mais suavizado pelo lenço gentil da mulher Verônica, que atravessa o cordão de soldados e lhe enxuga o rosto. Por certo, parte de seu desconsolo ficou nas dobras de um lenço ensanguentado que foi o bálsamo para seu sofrimento.
Podemos imaginar a dor de Verônica, sua dor é solidariedade e amor bonito e verdadeiro, pois seus sentimentos levam a gestos concretos: enfrentar o medo e fazer o bem. Chegando ao alto da montanha do Getsemani, Jesus é elevado numa cruz. A cruz era o castigo mais cruel e vergonhoso de todos os sistemas de punição na sociedade romana. O sofrimento é longo e atroz e exposto publicamente à vergonha. Imagina uma mãe, um pai, os irmãos e amigos vendo sofrer a vergonha pública. Grande dor, grande humilhação.
Como os pobres que são humilhados nas periferias, como os doentes que são humilhados nos hospitais, como os refugiados são humilhados nas fronteiras dos países.
Nestas horas difíceis, a graça divina suscita a partilha e a solidariedade. Deus suscitou no coração de Nicodemos e de José de Arimateia o sentimento da partilha. Emprestaram seus braços para descer Jesus da cruz. Nicodemos emprestou seu túmulo – uma gruta de família – para sepultar o corpo do Senhor. Caso contrário, seria jogado entre os destroços da cidade, na grande vala comum. A partilha é a acolhida no coração dos irmãos mais necessitados que provoca a partilha. Pensemos nos grandes santos de todos os tempos, nos santos de nossos tempos. Desde os primeiros tempos da Igreja, a pregação do evangelho foi seguida da praticada caridade. Basta pensarmos nos primeiros séculos as campanhas pelos doentes nas epidemias e pelos pobres nos tempos de fome. Podemos voltar antes ainda no tempo e visitar as páginas das cartas paulinas que testemunham a caridade aos pobres.
Quem não ouviu falar de São Vicente de Paulo, que percorreu as ruas e os becos das cidades partilhando o pão. Vicente é sinônimo de partilha do pão. Não faz muito tempo que Deus suscitou no coração de dois amigos, São Luís Orione e Santo Anibal de Francia, o ardor caritativo. Todos irmãos sofrendo necessidade tocavam seu coração. A dor dos irmãos tocava seus corações. Por isso, reuniram fiéis seguidores na missão: servir Cristo nos pobres. Servir os pobres é a graça que salva almas, pois – como diziam – somente a caridade salvará o mundo. Estes são os traços da ressurreição. A dor gera a morte, mas a partilha gera a ressurreição.
DA MORTE À VIDA PLENA
Deus é o Senhor da vida, recordamos. Senhor da história e Deus os vivos. Ele vai até os nossos túmulos, até nossas dores mais profundas. Ele assume nossa humilhação, no desprezo dos seus algozes, nas cusparadas dos transeuntes, mas Ele ressuscita nos gestos verdadeiros de paz e bem, de alegria e fé.
Depois do calvário, veio o túmulo e do túmulo nasceu a vida plena, a ressurreição. A dor não em sentido em si mesma, Ela desperta para a solidariedade e para a alegria sem fim. Jesus vai até nossas misérias para nos elevar para a felicidade. Não basta ter sentido de vitória, é preciso ser vitorioso em Deus.
E a vitória em Deus não passa pela derrota do adversário, mas na união com todos os irmãos. Seguimos com a certeza que Deus vai nos fortalecer e depois das mágoas vem o perdão. Mais ainda, do túmulo vazio vem a vida no Espírito.
O túmulo está vazio, pois dentro dele não temos mais um morto, mas a presença divina que ilumina todos os túmulos. Esvazia-se a morte e a vida toma seu lugar. Esperamos a cada dia o Espírito Santo, que nos engrandece e nos enche de esperança. Que tenha vida e a vida seja plena.