CANTAR COM O JEITO DO NOSSO POVO

CANTAR COM JEITO DO NOSSO POVO

 A partir da renovação proposta para  a vida litúrgica, pelos padres Conciliares do Vaticano II, foram redefinidos os princípios fundamentais do Canto litúrgico. As normativas essenciais naturalmente foram mantidas. Assim todo canto litúrgico deve elevar o mistério pascal de Cristo e sua entrega a Deus, pela comunidade. Deve integrar-se aos momentos litúrgicos fundamentais e não podem fugir do espírito cristão das nossas celebrações. No entanto, estes princípios foram enriquecidos pelo espírito conciliar de acolher a religiosidade e as culturas dos povos evangelizados. Houve, neste sentido, grandes transformações, na elaboração, composição e escolha dos cantos, para os sacramentos, especialmente para a ceia eucarística.

As Conferências Episcopais que se sucederam ao Concílio trouxeram  importantes anotações para atingir estes objetivos da maior participação dos fiéis nos rituais.


CANTO EM MEDELLIN: ACOLHER A HISTÓRIA DO POVO

Na II Conferência Geral de seu Episcopado, em Medellin, a Igreja Latino-americana, reconheceu que o gesto litúrgico que não esteja associado a um compromisso de caridade, não pode ser considerado autêntico.

Entendemos que o mistério da salvação, na sagrada liturgia, tem como fundamento a glória do Pai.  “Mas essa mesma glória comunica-se aos homens e por isso a celebração litúrgica, mediante o conjunto de sinais com que expressa a fé, apresenta  a exigência postulada pela fé de comprometer-se com as realidades humanas”, segundo as conclusões obtidas em Medellin.

Os bispos que participaram desta Conferência apresentaram uma série de recomendações pastorais, onde destacaram as exigências  que estavam mais próximas destas necessidades. Os bispos, valendo-se da comissão diocesana, recomendadas pela Conferência, que era composta de estudiosos da Liturgia, Bíblia, pastoral, música sacra e arte sacra nos trouxeram novos paradigmas, como podemos elencar:

 Primeiro ponto importante dos trabalhos que o Departamento de Liturgia do CELAM fez, foi endereçar para um departamento de coordenação dos musicólogos, artistas e compositores uma série de esforços para que realizassem em seus países de origem, músicas que dignificassem os sagrados mistérios de nossa fé. Em segundo lugar, acolher os ritmos e os modelos poéticos das comunidades, sobretudo as comunidades mais tradicionais dos povos camponeses, africanos e indígenas, mas também todas as outras etnias que formam a comunidade cristã. Os cantos passaram a repercutir as lutas do povo, suas necessidades, seus clamores e suas vitórias. Os cantos tocaram a realidade com maior empenho e compromisso.

Medellin fez com que todos os textos dos cantos  revelassem a realidade social e histórica, a partir da mensagem bíblica e da mística cristã. 


SENTIMENTO DE PUEBLA: ACOLHER  AS CULTURAS 

Em Puebla, os bispos se reuniram, também, pois sentiam uma necessidade muito grande de adaptar a liturgia às culturas latino-americanas, tão diversificadas, procurando colocá-las mais em função dos jovens, pobres e humildes.

Os bispos viam a cultura destes povos como um tesouro de valor incalculável. Reconheceram a beleza dos povos e das comunidades que, desde longa data, se reúnem  para orar em festas e ocasiões especiais e comemorativas, principalmente por tratar-se de um povo carente. Prestigiou os cultos das comunidades que nem sempre tinham ministro ordenado para estar ao seu lado, mas se reuniam como Igreja cristã e católica,  e viam o canto como uma forma também de evangelizá-los e levar a palavra de Deus.

Assim, simpatizados com as necessidades pastorais para uma discussão que levasse os problemas discutidos e direcionados para uma solução benéfica para as comunidades. Tratando com respeito à liturgia e o canto litúrgico, os bispos optaram por “celebrar a fé com expressões culturais, obedecendo a uma sadia criatividade”.  Isso deixava bem claro aos grupos étnicos e ao povo simples, ou seja, grupos populares, que o canto deveria referir-se somente à sua natureza de engrandecimento ao Senhor na liturgia. Deveria-se  cuidar, porém para não instrumentalizar os cantos para outros fins. Não se poderia esquecer, também, de promover a música sacra, que corresponde de uma maneira fascinante à índole dos povos latino-americanos.

 

SANTO DOMINGOS E O CANTO PEDAGÓGICO 

Em São Domingos, a nova conferência episcopal latino-americana, os bispos destacaram  que numa celebração litúrgica, “a linguagem dos signos é o melhor veículo para que a mensagem de Cristo penetre nas consciências das pessoas”. Esta é a convicção das conclusões da Conferência de São Domingos. Preocupados com a consciência do significado da centralidade da liturgia como fonte e cume da vida eclesial, os pastores da Igreja entenderam que a participação das comunidades cristãs deve ser engrandecida. Assim é preciso preparar o povo para evitar que pessoas que possam apropriar-se da liturgia sem entender ou considerar seu direcionamento eclesial. Como isso, deve-se superar o perigo de as celebrações terem apenas um estilo ritualista e folclórico, afastando os fiéisda consciência da presença de Cristo na sua celebração pascal.

Foi necessário que os bispos introduzissem algumas linhas pastorais diante destas primícias no campo litúrgico, como citamos:

Em primeiro lugar, desenvolver uma liturgia que procure, dentro das normas da Igreja, aceitar as formas, sinais e ações próprios das nossas culturas da América Latina e do Caribe;

Além disso, criar formas diferentes de celebração da fé, próprias da cultura da juventude, investigando a criatividade e símbolos dos sinais. Através destes estudos relacionados com o aumento da fé através do crescimento humano, acolher novas formas linguísticas e de comunicação, para servir à participação e maior frutuosidade litúrgica.

 

APARECIDADE E O CLAMOR DA EVANGELIZAÇÃO

 Em Aparecida, os pastores da Igreja se voltaram para a grande preocupação da nova evangelização. Entre os desafios da evasão de fiéis da Igreja, em busca de grupos religiosos alienantes e milagristas, bem como os apelos das novas mídias (televisão, rádio e internet, entre outros) a Igreja sente necessidade de formar bem a comunidade cristã para conviver com estes desafios e preparar seus fiéis para vencer estas tentações de uma religião sem compromisso, firmada unicamente na emoção e na prosperidade.

O canto litúrgico acolhe os novos modelos de composição musical, bem como suas modalidades artísticas, para acolher os jovens e o povo e assim confrontar  grupos religiosos proselitistas que invadem todos os meios de comunicação social, com propagandismo de promessas e enriquecimentos ilusórios. 

 

ENSINAMENTOS  DOS PASTORES DE NOSSA IGREJA

Através do Documento no. 7, da CNBB, a Pastoral da Música Litúrgica no Brasil, ratifica as orientações conciliares sobre o canto litúrgico determinando algumas particularidades:

1°: O canto litúrgico, conforme a liturgia requer, deverá nos levar do visível ao invisível, como um sinal para contribuir para o engrandecimento de toda a comunidade e fazer do mistério da Igreja, Corpo Místico de Cristo, um congraçamento de fé e amor;

2°: Os textos cantados devem possuir uma mensagem de caráter sublime, conduzindo todos os fiéis  e dando-lhes um toque contemplativo. Não devemos ter textos fora do sentido religioso ou aqueles que possam induzir outra ideologia na celebração litúrgica,

3°: “todos os ministérios e serviços nascem da comunidade e a ela se destinam para a sua melhor participação e crescimento espiritual e a ‘edificação do Corpo de Cristo’ (cf. Ef 4,12)”. Podemos ler o próprio texto:

– Que em cada paróquia ou comunidade eclesial haja ensaiador (es) e animador (cantor), e que, através de uma formação progressiva, torne-se sempre mais eficiente em seu ministério. Eles deverão propor as melodias mais simples ao povo para que ele participe, e deverão, oportunamente, dirigir e apoiar os fiéis (CNBB).

4°: Que haja possibilidades de criar Comissões e Equipes Diocesanas ou Regionais para a criação de músicas litúrgicas, promovendo desta maneira a pastoral musical, em sentido de união, a fim de que não se origem grupos separados, movimentos ou ideias isoladas que possam desintegrar a unidade pastoral da região.

5°:  “Em relação à comunidade, principalmente pelo acompanhamento do canto da assembleia, que o modo de tocar os instrumentos conduza a comunidade a uma oração mais profunda e interiorizada, vibrante e alegre.” (CNBB).

6°: devemos pensar com respeito aos textos para evitar letras adaptadas, para não ferir os direitos dos autores e também empobrecer a celebração litúrgica. Portanto, devemos excluir das celebrações litúrgicas as músicas conhecidas através da dança, melodias, temas de películas cinematográficas, novelas, festivais, peças teatrais e similares para não desvirtuar a liturgia.

Assim, ficam, bem claro os propósitos da musica litúrgica, como podemos entender. Os responsáveis pelo  canto litúrgico devem escolher sempre os cantos para as celebrações baseada no sentido da liturgia e não na escolha de cantos apenas bonitos e agradáveis que não tenham nada haver com a celebração em si. Lembrar sempre que é uma comunidade de fé, com sua vida e cultura que vão celebrar o mistério de Cristo.

Ter em mente que é toda uma comunidade, com sua vida e sua cultura que celebrarão o mistério de Cristo.

 

CANTO LITÚRGICO – ESPIRITUALIDADE E CONTEÚDO

A Igreja dedica particular atenção ao canto litúrgico, pois este é um dos instrumentos e uma das partes da vida litúrgica mais importantes para a evangelização. Com certeza é a parte do ritual que melhor envolve os fiéis e que deixa maiores sentimentos na assembleia.

 

APRECIAÇÃO DO CANTO LITÚRGICO

Os critérios que deverão ser utilizados pela equipe de liturgia deverá levar em consideração o seguinte:

1 – Tempo litúrgico:

Não esquecer que as equipes de canto deverão estar atentas para respeitar o tempo litúrgico, obedecendo cada ciclo do ano. No tempo de advento, quaresmal e pascal as equipes devem estar ainda mais atentas, pois deverão respeitar suas dimensões litúrgicas de acordo com o mistério celebrado na liturgia, principalmente nas orações e nas leituras do evangelho. “O ano litúrgico seja assim revisto que, observadas ou restituídas as tradições e normas dos sagrados tempos, conforme as condições de nossa época se conservem sua índole original, a fim de alimentar devidamente a piedade dos fiéis nas celebrações dos mistérios da Redenção Cristã, principalmente pelo mistério pascal.” (SC 107).

2 –  Tipo de celebração:

É necessário considerar a motivação da celebração, seja exéquias, matrimônio ou outros sacramentos ou sacramentais, ação de graças, louvor e tantos outros, mas lembrando de sempre que o objetivo da celebração deve sempre destacar as específicas dimensões do mistério pascal e jamais ocultá-lo.    

3 – Modelo da assembleia:

Os cantos para a liturgia deve ter um sentido de escolha fundamental para cada faixa etária, repeitando o que deve ser para a criança, jovem, adulto ou idoso; assim como as etnias, seja afro-brasileira, italiana, cabocla, gaúcha, nordestina, sertaneja, indígena, alemã ou outras. Não nos esqueçamos da tipologia social, como os grupos sociais e a realidade geográfica, seja ela campo, cidade, periferia, pois cada uma tem sua peculiaridade própria seja regional ou cultural. Também é importante entender o nível de instrução para apropriar a linguagem da música.

4 –  Momento litúrgico:

Pensar sempre que cada música deve ser colocada perfeitamente dentro da estrutura da celebração. Portanto é conveniente que os momentos litúrgicos como: ritos iniciais, rito penitencial, aclamação da palavra, rito eucarístico, momento da comunhão e outros estejam sempre em sintonia com a celebração, não destoando nenhuma parte do todo.

 

TRÍPLICE AVALIAÇÃO

Para compreendermos perfeitamente a eficácia teológica e pastoral dos cantos litúrgicos, devemos utilizar três tipos de avaliação.

1 – Técnica: a concordância entre a poesia e as notas musicais (harmonia) e seus       compassos. A melodia e a composição devem estar simultaneamente equilibradas.

Deve-se procurar fugir de letras forçadas ou difíceis de cantar pela assembleia e de melodias confusas.

2 –  Estética: as músicas escolhidas devem agradar o espírito e emocionar o coração da assembleia. Quando a música e a letra são esteticamente bonitas, acaba ficando gravado em cada fiel de modo que ele memoriza e sai praticamente cantando os refrães. Os cantos mais bonitos acabam permanecendo sempre na tradição e são cantados por longas temporadas. Os que não alcançam isso, desaparecem com o tempo.

3 – Expressividade:

Quando o canto tem expressão significativa e profunda no tocante à cultura, espiritualidade e religiosidade dos fiéis acaba expressando maravilhosamente o espírito e a fé da comunidade. Devemos sempre evitar o trivial e o clichê musical, pois isto vulgariza o canto litúrgico.

 

EXIGÊNCIAS FUNDAMENTAIS

1 –  Exigências estruturais: Harmonia entre as estruturas do texto e o arranjo musical;

2 –  Exigências textuais: A poesia (ou poema musical) precisa estar adequada ao momento litúrgico e teor do mistério cristão que se celebra (como por exemplo, o salmo, penitência, glória, e outros);

3 –  Diversificação de papéis: Todos que participam da celebração seja o ministro            ou o fiel tem que desempenhar sua função;

a-  Assembleia: A comunidade deve participar dos cantos e acompanhá-los com dedicação, entusiasmo e fé.

b – Solista: Sabendo que não há lugar na liturgia para a exibição do virtuosismo, o que não podemos deixar de ter é uma capacidade artística, através de fiel que entenda de música e que possa dirigir o canto dos fiéis com leveza e emoção.

c – Coral: Se houver possibilidade de ter um coral, o mesmo deverá ser bem formado e orientado, sem nunca eliminar o canto da assembleia. Que possa ao mesmo tempo dirigir o povo na oração cantada, reforçando o canto litúrgico da assembleia e acrescentando um arranjo musical bastante propício para aquela comunidade.

d –  Grupo de canto: Deve ter como meta animar os cantos e provocar o povo para cantar com alegria, animação e emotividade.

e – Avaliação Pastoral: A equipe da celebração tem como trabalho ajudar a assembleia a expressar sua participação através da fé. Tudo deve ser feito com muita sensibilidade, não deixando nunca de esquecer os valores culturais e sociais de cada povo.

 

Assim, estaremos seguros que o canto litúrgico vai sempre mais enriquecer nossas liturgias e não serão peças estranhas sobrepostas  aos rituais e às partes das celebrações. Entendemos cada vez mais que não se canta na liturgia, mas cantamos a liturgia.

 

Prof. João Hansen – Pe. Rodinei Thomazella – Pe. Antônio Bogaz

da família de São Luís Orione